


Escrevemos este texto no fundo do mar.
Sem o repouso, ou conforto necessário. Não estamos embaixo de uma árvore, nem mesmo nos nossos quartos de estudos cobertos de livros e ideias, já a muito espalhadas em letras.
Preferimos estar no fundo do mar, contendo o ar nos pulmões, subtraídos de qualquer capacidade de movimentos bruscos, numa economia completa de energia poupando-me de um desgaste corporal extremo. Estamos aqui, apenas nos concentrado no silêncio abissal dos habitantes dos oceanos.
Quanto mais afundo, menos nos resta de humano, e todas as imagens que aparecem a nossa frente são vestígios.
A cabeça estala, o ar implora para sair. Sem mais me reconhecer, chega a voz de Pablo Neruda, poeta, outro homem marítimo, não sei de onde surgem suas palavras, se do peito, da garganta, ou da fresta de luz que resolve encarar o oceano, apenas escutamos “tudo em ti foi naufrágio”.
Como navios antes potentes, também caímos, e nos ajustamos ao solo do oceano, de forma suave, diferente dos choques da superfície. O mar por dentro é suave. Mentira!
O mar por dentro é denso, como Neruda, um falso suave, como o vestígio que é um recado do passado para o presente. Surge suave, mas agarra em nosso peito, submersos no presente.
Do fundo do mar nasce esta edição. Imagens-vestígios, sobras, lembranças, naufrágios, que fazem parte de nós, e que sem eles não estaríamos vivos na ilha de nossas existências, reinventando nossa maneira de viver.
Alexandre Rese - Iriê Salomão Jr.
um recado do passado
arte e reflexão
openning the issue:

Assim como aqueles que viviam nas cavernas e às pintavam, criando representações de um período, Banksy utiliza-se de muros, paredes, postes entre muitas outras superfícies do cenário urbano para imprimir suas obras. Através de técnicas como o estêncil, o artista elabora imagens com forte apelo político-social, sempre instigando a reflexão de forma sátira sobre a vida moderna e os comportamentos sociais dos indivíduos contemporâneos.
Banksy é um pseudônimo. A verdadeira identidade do pintor, grafiteiro, ativista e diretor de vídeos, permanece um mistério. A nacionalidade de Banksy é inglesa sabe-se que começou suas atividades voltadas às intervenções urbanas em Bristol, Inglaterra.
Atualmente, seus trabalhos podem ser vistos em dezenas de cidades do mundo, provocando as mais diferentes reações
daqueles que cruzam com uma obra sua. Questões universais são tratadas por personagens por vezes comuns, mas boa parte é baseada em ícones da cultura pop, gerando as tão famosas e controversas imagens. São mostras do nosso tempo espalhadas pelas metrópoles.
a obra de arte como vestígio
por IRIÊ SALOMÃO Jr.
Parece algo complicado, ou uma proposta que nos remonta somente às obras do passado, aos craquelados dos afrescos, aos vitrais das igrejas góticas, às figuras das cavernas, ou à estatuária grega já partida pelo tempo. Todas estas obras são vestígios de arte, isso não deixa de estar correto. Agora nós que estamos no séc. XXI, com diversas possibilidades de encontrar obras inteiras, ou pelo menos reconstituições de como era antes da passagem do tempo através do 3D, por que resolvemos buscar o vestígio, a sobra?
Vale saber, antes de qualquer resposta, que todas as obras são vestígios, ela traz em si um fragmento do artista, um rastro do apagamento do artista no processo de realização da obra. Vestígio é a sobrevivência do que se foi. O artista não está mais na obra, mas algo dele está presente; por isso uma obra de arte não tem um único significado, porque nela reside presenças contraditórias de algo que já se foi, como, a mão do artista, a memória do artista, um rastro daquilo que o inspirou, e não podemos esquecer que quando um observador para em frente a obra lança mão de algo que sobrevive dentro dele, e que
Galeria do Louvre em Ruínas (1796), óleo sobre tela - Hubert Robert

surge logo no momento que se depara com um trabalho artístico.
A arte nos afunda num espaço cheio de lembranças. Basta chegarmos numa cidade como Ouro Preto (obra de arte de Aleijadinho e do tempo) para puxarmos de dentro de nós, lembranças, ou mesmo uma imaginação, sobre como pensamos a Vila Rica de antigamente, como dormiam os escravos, e em meio a esse pensamento poderemos nos pegar chorando em defesa dos escravos do tempo do ouro. A obra de arte rasga a separação existente, entre razão e emoção. O mesmo acontece frente a um quadro de Caravaggio, ou numa instalação do Tunga.
Devo este texto a diversas referências, todas elas me fizeram enxergar um lado de uma obra de arte, sei que ainda tem diversos lados a conhecer, talvez nunca descubra todos.
Como disse antes, o vestígio é que rasga os significados da obra de arte, é ele que dá a graça nos levando acima do óbvio. Quando você acredita que tudo está explícito na obra, você olha algum detalhe que te remete a uma sensação completamente oposta àquela que vc criara anteriormente. A arte é assim. Alguns se enfurecem com essa impossibilidade de delimitar, de pegar nas mãos o significado e dominá-lo, outros se divertem e dançam com os sentidos, e sentem muito mais de perto tudo que a obra tem a oferecer, porque acompanha o gingado, como se dançasse à dois com a obra de arte, sentindo a curva da cintura, a pele quente; não, ele não viu a obra nua, e nunca verá, mas teve intimidade, porque se aproximou sem receios e soube dançar conforme a obra.
Não digo aqui que qualquer palavra pode ser tida sobre uma obra de arte, primeiro porque ela não admite ser qualquer coisa; ela é maior que isso, mesmo quando é um urinol do genial piadista (ou piartista) Duchamp. Sem tolices; é contra a arte imaginar que se pode dar qualquer significado a uma obra. Quem fizer isto está tão distante da obra de arte, como aquele que recusa ver qualquer sentido. Busque os vestígios, nela e em você, e por aí comece a ouvir a sua música, mesmo que ainda num volume baixo.
Espero que um dia vejam também os vestígios na TECNOGRAPHY, então tudo fará sentido, ou sentidos... ★
passado: fragmentos e identidade
por ALEXANDRE RESE

A Jangada da Medusa (1818-1819), óleo sobre tela - Théodore Géricault
A arte nos envolve com muitos véus. Alguns destes véus são delicados e de fina transparência. Mas existem outros, aqueles densos e de tramas complexas. Abandonando as metáforas - se é que isso é possível neste contexto -, pensamos agora diretamente nas pinceladas que se sobrepõe no fazer artístico, ou então, nas inúmeras lascas retiradas de um monolito até que a rigidez se desfaça e surjam formas, linhas. São ações que sobrepostas, uma a uma, repetidas vezes, que resultam em representações, por vezes a imitar vidas, acontecimentos, mas por outras, a promover o inventar de uma realidade desejada. Neste mosaico de influências e informações, o que dissipa-se? O que nos permeia? Algo permanece?
Os homens precisam de uma certa “linearidade” histórica para entenderem por onde passaram os que nos precederam. E por um bom tempo, a arte se utilizou desta lógica para recriar épocas e idealizar os caminhos trilhados até aqui. Fossem nos poemas épicos, cantados aos quatros
ventos ou nos mitos da criação do mundo, pintados, esculpidos ou escritos em longos séculos por pagãos e cristãos.
A história e a arte parecem ter trocado alianças há muito tempo. Juntas construíram um universo de infinitas imagens, alimentando-se uma da outra com certo fervor. O que abriu espaço para que a veracidade do que representavam fosse questionada, detalhes importantes são relegados neste caso. A interpretação e a liberdade do criar não se sujeitam às pequenas convenções da realidade. E artistas, por mais que sintam-se influenciados pelo que veem, presenciam, acabam depositando em seus trabalhos o próprio olhar. O compromisso com o literal passa a margem e se faz presente em nuances de um tema abordado.
A exatidão na construção pictórica, por exemplo, com perspectivas perfeitas em afrescos e telas, são revistas de tempos em tempos e de uma maneira ou de outra, buscam no passado, vestígios de uma grandeza humana, quando heróis vagavam pela terra e a glória poderia ser imortalizada por artistas atentos e de imensa destreza sobre o que queriam que parecesse ser palpável.
Quando a arte permeou o mundo, também passou a criar registros visuais. Registrar visualmente “ocorrências” tornou-se uma das “vertentes” artísticas. Os novos continentes, guerras, coroações, costumes, culturas exóticas, tornaram-se fonte de inspiração e a arte uma aliada da propaganda política e religiosa. Documentos visuais foram criados, apreciados como fontes de informação. A verdade é que a arte continuou envolvida nas interpretações de artistas e fragmentadas em pequenas “verdades”, manipuladas pela estética e o apreço da idealização. Academicismos, regras rígidas de composição e virtuosismo ainda compunham cenas que tentavam atender ao real. Uma ilusão que ainda gostamos de nos alimentarmos. Imperadores altivos, generais corajosos, princesas delicadas, opulências palacianas, índios selvagens, negros escravizados, noites cortesãs, arranjos políticos, pobres moribundos e mitos ressuscitados são apenas alguns dos muitos elementos que nos constroem, que nos inspiram. O poder desta herança visual que a arte nos faz acreditar é fundamento para a identidade de grupos, convertendo-se em “provas cabais” de relevância, de imortalidade, de legado.
O filósofo, escritor e historiador de arte suíço Heirich Wölfflin, certa vez escreveu que não havia uma maneira objetiva dos artistas verem as coisas, que as formas e as cores sempre seriam captadas de maneira diferente, dependendo do temperamento destes mesmos artistas. E arrematava: “Há muito sabe-se que todo pintor ‘usa seu próprio sangue’ para pintar. A distinção que se faz entre os mestres, entre as ‘mãos reside’, em última análise, no reconhecimento desses tipos de criação individual”. Somos uma construção de subjetividades, que tomamos como direção certa e que deixamos nos inebriar. Partindo de telas a óleo, “recosturamos” lacunas da memória que nos faltam. Analisando esculturas, nos projetamos e revivemos o ontem. Lendo, nos teletransportamos para ocasiões descritas. Tal qual os artistas, nos deixamos tocar, seja pela história, pela arte e toda sua beleza, remontando na privacidade da reflexão o que éramos, o que somos e incansavelmente elaboramos memorandos para a nossa própria identidade. ★
Mulher Africana (1641-1643), óleo sobre tela - Albert Eckhout

timeline:
uma linha do tempo
Os fragmentos de outras épocas, sonhos e desejos são materiais virtuosos para a arte. Imagens, lembranças e sensações se sobrepõem e o artista delega ao espectador as interpretações e as experiências em observar os registros inegáveis do belo, do poder, da propaganda, do crer e do idealizar. Por mais que se possa indicar caminhos, a arte presta-se a provocar e confundir certezas.

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o caos e o pessimismo de Max Kauffman
por IRIÊ SALOMÃO Jr.
Não falta ao mundo membros da classe dos pessimistas, acredito até que a crença no pessimismo esteja se espalhando com maior vigor, graças a exemplares excêntricos da nossa humanidade. O pensamento apocalíptico existe a milênios, no entanto na modernidade, ele deixa de lado seu caráter religioso, para assumir um posicionamento profano e técnico.
A obra do artista Max Kauffman, consegue olhar com devida distância o lado sombrio de nossa história, ela aborda o que há de negativo em nós, os suportes são os restos, aquilo que não serve, como latas de refrigerantes, shapes quebrados de skate, e tudo mais que se tornou inutilizável.
Atento, o norteamericano explora em suas obras os nossos possíveis futuros, um mundo após o nosso, e que ainda terá nossos vestígios. Ao fazer isso Max Kauffman aproxima-se da narrativa maravilhosa do escritor Comarc Mcharthy no livro “A Estrada”, a história se passa em um mundo vazio, como um escombro, novamente posso dizer como um vestígio do nosso mundo. Fica a sugestão de que ocorreu uma catástrofe e poucos restaram vivos, dentre os sobreviventes estavam o pai e o filho, protagonistas da história. Eles andam por ruas com gangues que querem comer carne humana.
Poderíamos colocar lado a lado a obra de Max Kauffman e de Comarc Mcharthy e pensar no destino humano, como um tempo já em construção, afinal somos as pegadas de amanhã.O mundo pós-apocalíptico de Max Kauffman tem a sombra como predominância, o lado obscuro da realidade que nos aguarda está presente, e ao mesmo tempo as cores sutis que começam a surgir, mostram que Max Kauffman está longe dos pessimistas, como também Comarc Mcharthy, o artista acredita na soberania do bem e no vigor da vida. As cores não são poderosas, estão longe da abundância. Elas aparecem como recomeço da vida, um princípio, mas já é uma luz diferente, não mais as cores básicas exploradas na Renascença, e sim cores que começam a esquentar, que resolvem reviver e por isso ainda não estão presente em todo o seu esplendor.

Remade Horizon - Max Kauffman
O artista americano não se queda diante da sombra, algo no homem o motiva a continuar, mesmo com outras luzes , com outras cores o homem estará lá.
O trabalho de Max Kauffman é assim, um vestígio do futuro. ★
a forma do vazio: Franco Rella
por DAVI PESSOA C. BARBOSA
1.
Antes de iniciar o percurso que me propus, farei um desvio para falar do quanto me ocupei nos últimos meses desenhando uma espécie de horizonte teórico no qual se situaram temas e problemas que cruzaram ou que talvez delinearam o conjunto das questões que decidi enfrentar neste texto.
Há algum tempo venho pensando nas fraturas que a escritura poética e a arte incorporam em si, e que se tornam evidentes naquela que gostaria de definir como linha de desfiguração que atravessa o século XX, a qual se estende ao lado da história da literatura e da arte tal como se codificaram. Para exemplificar, poderia lembrar Giacometti, Bacon, Fontana, Kafka, Artaud, Beckett e o Pasolini de Petrolio. Há uma imagem que usei algumas vezes e que resume e evidencia esse percurso. É a imagem do “Violino” de Picasso, na leitura que Gottfried Benn faz dela.
Benn fala de “cosmos explodidos”. Picasso vibra como uma machadada o seu violino no mundo, o faz em pedaços e depois recompõe seus estilhaços, criando assim seu violino de sangue, que é, de fato, uma nova imagem do mundo. [1] Uma imagem do mundo que incorpora o gesto violento, fazendo emergir dela a verdade. O gesto do artista é um gesto cosmogônico. Cria um mundo, mas essa criação traz uma violência implícita no seu gesto. O artista o sabe. É o risco que deverá sempre enfrentar: desconstruir para construir. Ou, para usar uma expressão extraordinária de Kafka, o artista está empenhado numa zerstörende Aufbau der Welt [2]: uma destrutiva construção do mundo. Essa fratura também passa pela escritura ensaística. Benjamin sempre esteve consciente disso, desde o seu ensaio “Afinidades eletivas” de Goethe, de 1922, até a Premissa gnosiológica do Drama barroco alemão, de 1926. [3]
Para ler o texto completo, clique AQUI.
* Agradecimento especial a FRANCO RELLA por nos ter autorizado a tradução e publicação deste ensaio. [N. T.]

Violino com Uvas (1912), óleo sobre tela - Pablo Picasso
palacete Fellet
por YUSSEF CAMPOS
14 de junho de 2014
Palimpsesto, traço apossado,
Arresto do passado, indício!
Resquício admoestado.
Paço outrora, por ora suplício.
Veste imunda, herança maldita.
Corcunda nem te habita!
Falsete, nódoa, troça genuína.
Amaldiçoado palacete-ruína.
Mas mostra-te vestígio!
Fóssil, documento
Argumento do contágio, dócil e insolente,
Que provocas no mais débil descrente
De que és pegada, sinal, baluarte.
Da tentativa do mais vil abate
Ressurge patrimônio, antônimo de destruição
Estandarte, presságio, adágio da arte.

caverna geométrica
por JOÃO MACHADO
Na natureza existem vários seres que, no decorrer de suas vidas, deixam para traz vestígios físicos de sua evolução. Insetos deixam casulos e cobras trocam de pele. Entre nós humanos, as transformações ocorrem de forma diferente pois possuímos a memória que nos permite a identificação e a comparação com aquilo que já fomos um dia. Graças à memória, carregamos internamente um pouco desses casulos, peles secas e outras carcaças fruto de nossas transformações. Além disso, a natureza inquieta do homem faz com que ele queira materializar para além da memória as suas transformações.
As constantes mudanças que pontuam nossa existência somam-se no que pode ser chamado de nossa história de vida. Porém, a nossa memória é ainda mais ampla e carrega também vestígios de gerações passadas, formando assim a história da humanidade. Indissociável da nossa evolução como espécie, está a história da arte, que nos acompanha desde os tempos pré-históricos. Talvez a arte seja o que mais se assemelhe a estes vestígios de transformação encontrados na natureza. No seu rastro, se encontram tudo aquilo que fomos, que somos e que queremos ser.
A série de gravuras “Caverna Geométrica” foi concebida a partir de fotografias que tirei de moldes de esculturas em bronze na extinta fundição Fonderie Godard, situada nos arredores de Paris. Assim como os casulos para os insetos, o molde de silicone é uma membrana feita à imagem do corpo que abrigou e ajudou a gerar em seu ventre. A forma côncava dos moldes também se assemelha às cavernas, o que vai de encontro ao tema da evolução do homem desde seus primeiros registros nas paredes das cavernas.
Recentemente, a antropóloga Geneviève Von Petzinger liderou um estudo e criou um acervo visual dos símbolos geométricos encontrados em diversas cavernas pelo mundo. Além das célebres imagens de caça, existe um grupo de símbolos não-figurativos como o espiral, o triângulo e o círculo, entre muitos outros. Talvez nunca iremos decifrar essas formas de comunicação gráfica de nossos antepassados. Incorporei alguns desses misteriosos símbolos do acervo de Von Petzinger às fotos dos moldes, mas não fiquei feliz com o resultado. A idéia estava lá mas faltava alguma coisa. Faltava o tempo. O efeito do tempo que funde uma escultura em bronze, uma borboleta ou a história da humanidade.

Gravura, Série “Caverna Geométrica” - João Machado
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Precisei criar o tempo artificialmente e me lembrei do que acontece com o vídeo quando se faz uma cópia da cópia.O nome disso é perder uma geração de imagem. Achei a técnica da “geração perdida” perfeita não só simbolicamente como também no resultado estético. A cada geração que eu perdia, a imagem se transformava em aberrações de cores e perdia sucessivamente mais detalhes até se tornar uma vaga lembrança da imagem inicial. O resultado final se parece menos com algo pré-histórico do que com algum vídeo ou imagem de computador antigo. A pré-história do digital, talvez. Essa estética da imagem digital antiga tem um peso maior para mim do que dez cavernas de Lascaux porque esse foi um passado que eu vivi. A estética de vídeo games de 8 bits e das aberturas psicodélicas de programas de televisão vistos na infância.
Na experiência desse projeto, pude ver os pontos digitados em tinta ocre nas cavernas pelos primeiros humanos assim como as minhas próprias digitais, marcando em pixels a superfície de uma tela. Entre esses dois pólos está a história de nossa passagem pela terra e a batalha obsessiva do homem em marcar sua presença num universo que a todo momento o lembra da sua insignificância. ★
* JOÃO MACHADO é artista, nasceu no Rio de Janeiro (BR), mas vive em Paris (FR). Com muitas exposições no currículo, explora os mais variados universos, o que resulta em trabalhos de forte apelo pop e que resgatam memórias. Nesta edição da TECNOGRAPHY o convidou para contar um pouco sobre as suas experiências e sobre os seus vestígios artísticos.
artista ativador da subjetividade
entrevista com RODRIGO BRAGA
RODRIGO BRAGA calca sua obra em questões fundamentais dos tempos atuais: a busca por uma identidade para o homem moderno através do resgate do primitivo, de rituais da ancestralidade humana e dos laços com a natureza. A TECNOGRAPHY conversou com o artista, que contou um pouco sobre o processo envolto, da criação de seres híbridos, mordazes e instigantes, que muitas vezes apropriam-se do seu corpo. Nas páginas que seguem, ainda há espaço para que Rodrigo conte sobre as plataformas que usa para criar a sua arte, duas galerias com alguns dos seus trabalhos e um vídeo-performance.
TECNOGRAPHY: quais os conceitos que cercam o seu trabalho? Quais as influências, se elas existem, que atingem você?
RODRIGO BRAGA: As influências do meu trabalho vem de uma relação muito pessoal do meu envolvimento com a biologia, com a ecologia, com as ciências de uma forma geral. E muito através dos meu pais, eles são biólogos e a partir daí, eu e minha irmã, um ano mais nova que eu, a gente começou a ter muito contato com isso e desde o início da década de 1980, fomos absorvendo muitos destes conteúdos. Tanto que minha irmã virou ecologista, e tanto ela quanto meu pai e minha mãe, presidem cada um, ONGs ambientalistas. E eu não... eu fui ser artista, porque eu já gostava muito de desenhar, já desde muito criança. E fui desenhar a partir dos livros que tinha em casa, que muitos eram, claro, de biólogos. Enquanto me formava artista, fui me misturando, me formando neste interesse, neste foco específico, e acabei trabalhando com elementos naturais, que tenho um grande apreço em estar em contato com esse mundo.

Sentinela do Rio - Rodrigo Braga
TECNOGRAPHY: a sua proximidade com a natureza possibilita o surgimento de seres híbridos, primitivos e até ancestrais, pelo menos aos olhos do espectador. Como você entende isso?
RODRIGO BRAGA: Essa relação de proximidade que tenho com esse universo, sempre me despertou muito interesse, desde cedo até hoje, eu tenho muito gosto de estar em contato com a natureza. Então, de vez em quando eu preciso me retirar da cidade grande e ir para a zona rural ou fazer uma viagem e isso me suscita muitas ideias. É um processo que vai sendo elaborado e tento trazer para o meu trabalho uma relação que temos perdido, que esquecemos que temos, na verdade. Acho que boa parte da minha obra vai no sentindo de nos lembrar que somos animais e que esse lado orgânico e animal que está na natureza a gente tem porque também somos natureza. E isso é fundamental dentro do meu pensamento. Tento também, ver as coisas nesta relação de forma cíclica, são ciclos naturais de de vida e de morte, de transformação natural... e eu sou artista e lido com isso, de uma outra forma. Eu produzo a minha própria intervenção, introduzo minha mão nesse meio natural, introduzo minha ação e desta maneira, altero essa natureza. Às vezes eu a enalteço, mas às vezes causo desordem. O que de certa forma é uma metáfora do que é a nossa relação humana com a natureza, que é conflitante, mas tende ser idílica, que nos faz esperar por uma natureza para contemplar, intocada e muitas vezes eu toco nesta natureza, a alterando. Diferente dos meus pais e da minha irmã, eu não faço uma defesa ecológica no meu trabalho. Mas eu penso na ecologia através destas transmutações, que nem sempre são tão agradáveis.
TECNOGRAPHY: as suas obras lançam ao espectador um incômodo. Instigam os sentidos...
RODRIGO BRAGA: Foi citado a ancestralidade, né?! Esse incomodo é gerado porque a gente tem também a forma animal e até violenta de lidar com o outro e com o que nos rodeia, então acaba que o meu trabalho muitas vezes desperta esse lado mais subjetivo das pessoas. Nas imagens, em cada uma, você pode tirar uma narrativa específica ou você pode juntar as 17 imagens (....) e fazer uma única história sobre as mesmas imagens, como o “ser ermitão” que está ali. Mas eu costumo não fechar nenhuma história, eu tendo deixar o mais aberto e quando a pessoa vê, ela terá que lidar com a especulação em relação as imagens, o que leva a se perguntar: o que é isso? Como aconteceu isso? Por que ele está ali? O que veio antes? O que veio depois? Esse animal está morto, está vivo? Esse tipo de questionamento acaba ganhando espaço na cabeça das pessoas.
TECNOGRAPHY: as suas obras se utilizam muito do seu corpo como ferramenta e causam intervenções no ambiente onde as “ações” acontecem. Qual o papel do corpo no seu processo criativo?
RODRIGO BRAGA: Eu me formei como a maioria dos artistas, nas técnicas e suportes tradicionais: desenho, pintura, gravura, escultura... E fiz tudo isso por algum tempo, mas depois de um tempo fui tendo um contato maior com a tecnologia, com a fotografia, com o vídeo e também através da universidade, que também me formei em Artes Visuais e eu vinha tendo contato com a performance, com arte conceitual dos Anos 60/ 70 e isso me instigou muito, então eu já tinha essa base de formação, que é muito mais estética, que fica claro nos meus trabalhos, porque são muitas posições, muito elaborados...
TECNOGRAPHY: além do corpo, a preocupação com a estética é clara...
RODRIGO BRAGA: É, eu não consigo fugir disso, porque está na minha base de formação. Penso muito quanto imagem, sabe?! Quando eu vou criar, por mais que vou fazer uma ação, parte do meu pensamento vai para a lente, no que vai estar naquele quadro. Há uma elaboração estética, cromática, textura, relevo... Eu sou muito convidado para evento de fotografia, mas sempre me coloco... Sim, como fotógrafo também, porque quase 70% da minha obra é fotografia, mas me coloco como um fotógrafo que altera a paisagem e com isso acabo criando uma relação com a pintura e com a escultura, porque eu coloco tijolo por tijolo, madeira, ossos... Há uma situação escultórica, cavando buraco na terra e com a ação performática. Eu não sou um performer assim, nunca fiz performance em museu ou galeria, mas eu faço pequenas ações para serem registradas. Então assim, são fotografias são, são vídeos são, mas muito híbridos enquanto linguagens.
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TECNOGRAPHY: sobre as tecnologias que você usa no seu trabalho - a fotografia e o vídeo - como se dá essa relação entre “você artista” e esses mecanismos?
RODRIGO BRAGA: Isso é histórico... cada artista, em sua época trouxe no trabalho o que tem de mais recente das tecnologias. Desde Da Vinci até qualquer outro artista... das tintas acrílicas à fotografia, o vídeo. Eu não sou um cara que lido diretamente com as novas tecnologias. Não no sentido de tecnologia de ponta, mas me absorvo de tecnologias disponíveis nos dias de hoje, digamos assim. O que quero dizer é que não tenho uma ânsia pela busca das descobertas tecnológicas, mas sim, eu quero usar o que tem de melhor, como por exemplo os vídeos em HD. Na fotografia, tenho tentado trabalhar com bons equipamentos, que me possibilitem criar com mais qualidade. É uma relação que está sempre presente, mas não é uma ânsia.
TECNOGRAPHY: e como você vê o cenário das artes dentro deste contexto tecnológico, das multi-plataformas?
RODRIGO BRAGA: Bom, o cenário é muito amplo e se tem de tudo na arte contemporânea. Tem uma gama de artistas muito grande e com muitos perfis. Existem os materialistas, os desmaterializados, os mais estéticos, os mais figurativistas, os pictóricos, os conceituais, os performáticos e estão todos dentro deste caldeirão e tudo é possível. E dentro de tantas possibilidades, é preciso distinguir o que é interessante sob o ponto de vista da artisticidade, de pensarmos no artista como um ativador de subjetividades, de pensamentos, de questionamentos. Podemos falar em mil formas de representar, de linguagens e de conduzir a arte, mas é preciso olhar para aqueles artistas que conseguem dialogar com o mundo de uma forma a instigar novas formas de visões sobre este mundo. Enfim, não tenho pretensão nenhuma de que a arte irá transformar o mundo diretamente, nosso papel é muito pequeno e acabamos sendo meio que invisíveis, mas aqui e acolá vamos conseguindo introduzir novas células do pensar e de sentimentos, que aí sim, vai contribuindo de indivíduo em indivíduo...
TECNOGRAPHY: ainda sobre as suas obras, pode-se dizer que elas também apresentam fragmentos. Quais vestígios você acredita se apoderar na criação e quais pensa deixar para o público?
RODRIGO BRAGA: Tem um cara que eu li, que me influenciou muito, o Phillippe Dubois, que escreveu “O Ato Fotográfico”. Neste livro ele fala da fotografia quanto vestígio, índice... você tem um objeto a frente, a câmera captura e o que você vê é um fragmento do que aconteceu, um indício de passagem, de presença. E eu acho que tem sim, um vestígio material nos meus ambientes, os ossos, as pedras, as folhas... mas acho também importante pensar nos vestígios da minha ação, quer dizer, no rastro da minha presença. O que eu faço, produz algo... esse algo marca, por mais que o meu corpo não esteja na fotografia, percebe-se que houve alguém ali. Percebe-se a minha presença naquele espaço. Então, dentro deste tema, acho interessante pensar no papel do artista alterando a obra.
TECNOGRAPHY: a arte liberta?
RODRIGO BRAGA: Claro, a arte liberta... a mim libertou...
TECNOGRAPHY: mas alguns artistas dizem que são reféns dela...
RODRIGO BRAGA: É... pode ser as duas coisas. Eu entendo quando eles dizem isso. É que o artista começa a entrar nesse universo, pelo menos a maioria e sobretudo os da minha geração, de uma maneira despretenciosa e que não vai viver disso, hoje acredito que sim, em São Paulo existem jovens artistas que logo que começam já pensam em mercado. Mas a gente é acometido por essa “doencinha” e vai levando a vida, daqui a pouco o negócio cresceu e fica inescapável... Então, na verdade liberta e aprisiona, porque não se consegue mais fazer outra coisa na vida. Porém, liberta do ponto de vista emocional e até psicológico e por que não espiritual?!
TECNOGRAPHY: na arte existe limites?
RODRIGO BRAGA: Eu não gosto de limites... Existe responsabilidades, sim. Eu acredito que o artista deve ser muito sério por mais que ele queira transgredir limites. Ele deve ter muita responsabilidade, o que não é fazer o que quiser, mas fazer o que se quer, sabendo o que está sendo feito ou descobrindo o que está fazendo. Eu gosto de pensar em arte, não que o artista seja alguém especial, extrapolando limites, mas pensando sobre ele, investigando e assim levar a fronteira adiante. ★
o corpo nu em detalhes
com VIVIANE RODRIGUES

O projeto “a e s t h e s i s” trabalha - não com os corpos domesticados, dóceis, tão belamente enunciados por Foucault, - mas com corpos humanos, libertos, iguais e diversos. Sobre a realização dos ensaios, a fotógrafa - jornalista e professora universitária, com 20 anos de experiência no fazer-pensar corpo/fotografia - diz que são uma tentativa de retomada do corpo: uma reapropriação no intuito de naturalizá-lo, de conhecê-lo.
Para isto, a fotógrafa capta, desnuda e confunde, recorta e humaniza, na esperança de se apropriar das condições que ele oferece para mostrar todas as relações que media. A fotógrafa acredita que “na diluição de tantas identidades que vivem no mesmo espaço geográfico de nós mesmos, aquilo que nos individualiza é também o que nos irmana.
Em planos, frequentemente fechados Viviane vê com outros olhos. Menos discretos. E mais benignos, “sem culpa, constrangimento ou vergonha pelos vestígios de humanidade que o corpo traduz nas formas de se ser humano”. Por isto ela acredita que Merleau-Ponty sabia das coisas. Ele pensava que o corpo é uma obra de arte e a linguagem que fala, é poética. ★
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o palco e os vestígios em cena
video entrevista
com o ator LEONARDO BRÍCIO
A arte da interpretação é subjetiva e repleta de variantes, absorvidas por diversos “canais”. Estes canais podem ser o dramaturgo, o diretor, os atores que encenam ou o público, que assiste tudo e de alguma maneira vive situações, medos, prazeres e conecta-se com memórias.
A TECNOGRAPHY, traz na video entrevista desta edição uma reflexão do ator LEONARDO BRÍCIO sobre o ato de encenar e os vestígios que isso deixa no ator através dos personagens e como atinge o espectador, que não deixa de ser elemento importante no transcorrer de qualquer história.
texturas da arte de Ulisses Evangelista
lâmpada: novos olhares, novas prospostas e formas de interpretação
O artista Ulisses Evangelista é mineiro e autodidata. Começou a desenhar ainda na infância e mais tarde descobriu novos e variados materiais, identificou-se com a tinta acrílica e associou-a ao lápis pastel.
Como apreciador da gastronomia, uniu temperos e alimentos não perecíveis, de onde surgiram novas cores e diferentes texturas, formando assim, um universo criativo com materiais que o possibilitam ampliar a potência do seu trabalho além do habitual.
Na galeria de imagens ao lado é possível acompanhar algumas obras criadas por Ulisses.

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ed. VESTÍGIOS
# 01
(2014)
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agradecimentos:
João Machado
Rodrigo Braga
Leonardo Brício
Davi Pessoa c. Barbosa
Ulisses Evangelista
Yussef Salomão
Viviane Rodrigues
Sonia Mara Viero
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criadores
Alexandre Rese:
Editor e diretor de arte
Iriê Salomão Jr.:
Editor
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expediente:. este é um projeto experimental, um “ensaio” reflexivo e visual, baseado nas novas formas de disseminação e interação através da tecnologia:. № 1 - VESTÍGIOS:. distribuição/ leitura online/ download gratuito:. ISSN: 2358-8667::.




















































































